Como melhorar o setor de elevadores e reduzir acidentes: Uma abordagem técnica para aumentar a segurança
A segurança no setor de elevadores é um tema crítico que merece atenção constante. Com o crescimento urbano e a verticalização das cidades, os elevadores são fundamentais para a mobilidade de milhões de pessoas todos os dias. Apesar de o elevador ser reconhecido como o meio de transporte mais seguro do mundo, acidentes ainda ocorrem. Até o início de agosto de 2024, foram registradas 31 mortes no Brasil envolvendo transportes verticais, quando escrevi um artigo, na época, para a edição 183 da revista.
Tivemos mais nove mortes adicionais depois de agosto até outubro, e esses números são alarmantes, reforçando a necessidade de medidas mais rigorosas em todas as etapas que envolvem o ciclo de vida de um elevador – desde o projeto até a manutenção.
Como engenheiro mecânico especialista no setor de transportes verticais, com experiência em vistorias e elaboração de laudos técnicos, projetos e memoriais de cálculo, acredito que a redução dos acidentes passa por uma abordagem sistêmica que abrange desde a concepção dos projetos até o uso das mais modernas tecnologias de segurança.
Através das análises dos acidentes que ocorreram no Brasil esse ano, trouxe os principais pontos de melhoria que podem ser adotados para tornar o setor mais seguro e eficiente.
- A IMPORTÂNCIA DE UM PROJETO BEM EXECUTADO
A segurança de um elevador começa no projeto. Muitas vezes, acidentes são causados não por falhas mecânicas ou de operação, mas por deficiências no projeto inicial. Projetos que não seguem as normativas vigentes ou não levam em consideração as especificações da edificação comprometem a segurança e a eficiência dos elevadores.
Falta de conformidade com as normas: Normas vigentes, como a ABNT NBR 16858 partes 1, 2, 3, 4 e 5, que trata da especificação e instalação de elevadores novos, existem justamente para garantir que os equipamentos sejam projetados e instalados de forma segura. No entanto, o que se observa é que, em muitos casos, essas normativas são ignoradas ou interpretadas de forma inadequada, o que abre margem para falhas que podem resultar em acidentes. Questões como o cálculo das forças de trabalho, o dimensionamento da caixa de corrida, o tamanho da cabina, cálculo de guias, polias e freio de segurança, devem ser meticulosamente observadas durante a fase de projeto.
Escolha inadequada do tipo de elevador: Outro fator que compromete a segurança está na escolha errada do tipo de elevador. Cada edificação tem suas próprias características de uso, e isso deve influenciar diretamente a especificação do elevador. Por exemplo, um prédio residencial multifamiliar e comercial não pode ser atendido pelo mesmo tipo de elevador utilizado em um edifício de uma única família (elevador unifamiliar). A escolha errada pode levar ao desgaste prematuro dos componentes, à sobrecarga dos sistemas e ao aumento do risco de falhas mecânicas e operacionais.
Memoriais de cálculo mal elaborados: O memorial de cálculo é uma peça fundamental no projeto de qualquer sistema de elevação. Infelizmente, em muitos casos, esse documento não é adequadamente elaborado ou sequer existe. Um memorial de cálculo bem-feito leva em consideração não apenas a capacidade da cabina e dos passageiros, mas também todas as cargas dinâmicas que o sistema suportará durante sua operação. Isso inclui desde cálculo de cargas estática e equivalente, além dos cálculos de tração, cabos de aço, polias, freio de segurança, guias e para-choques. Projetos sem um memorial adequado podem resultar em sistemas subdimensionados, com risco de falhas estruturais.
Projetos copiados ou inadequados: Um erro comum no setor é a reprodução de projetos de elevadores sem considerar as peculiaridades de cada construção. Edificações possuem diferentes demandas de uso, e o que funciona em um prédio não necessariamente será adequado em outro. A prática de copiar projetos de outras obras sem fazer o memorial de cálculo pode resultar em incompatibilidades entre o equipamento e a infraestrutura da edificação, o que aumenta significativamente os riscos de mau funcionamento e, consequentemente, de acidentes.
2. MANUTENÇÃO PREVENTIVA E PREDITIVA
Mesmo que o projeto inicial seja adequado, a manutenção dos elevadores é uma área crítica para garantir sua segurança ao longo do tempo. Existem dois tipos de manutenção que são particularmente importantes: a preventiva e a preditiva.
Manutenção preventiva: A manutenção preventiva consiste em inspeções periódicas realizadas de acordo com cronogramas previamente estabelecidos. A ABNT NBR 16083 é uma norma que orienta a manutenção de elevadores e deve ser seguida rigorosamente. A manutenção preventiva inclui a verificação dos principais sistemas de segurança. Quando bem aplicada, a manutenção preventiva pode identificar falhas antes que se tornem críticas.
Manutenção preditiva: Nos últimos anos, o setor de elevadores tem incorporado tecnologias de manutenção preditiva, que se baseiam na análise de dados coletados em tempo real por sensores instalados no elevador. Esses sensores monitoram variáveis como vibrações, desgaste de componentes e temperatura dos sistemas, permitindo prever falhas antes que ocorram. Com isso, intervenções podem ser realizadas de forma planejada, minimizando os riscos de acidentes e aumentando a vida útil dos componentes.
3. MODERNIZAÇÃO DE ELEVADORES ANTIGOS
Muitos edifícios no Brasil ainda utilizam elevadores antigos, projetados e instalados décadas atrás. Esses equipamentos, além de consumirem mais energia, não possuem os sistemas de segurança mais modernos e seguros. A modernização de elevadores antigos é uma medida indispensável para aumentar a segurança em edifícios antigos.
Substituição de componentes obsoletos: A modernização pode incluir a troca de painéis de controle, sistemas de tração, freios de emergência e mecanismos de portas. Componentes antigos podem falhar de forma imprevisível, e a substituição por equipamentos mais modernos traz não apenas maior segurança, mas também maior eficiência energética e menor custo de manutenção.
Implementação de tecnologias modernas: Sistemas de monitoramento remoto permitem que falhas sejam detectadas e corrigidas antes que comprometam a segurança. Sensores de presença mais sensíveis, que detectam a aproximação de pessoas ou objetos antes do fechamento das portas, e sistemas de resgate automático, que garantem a descida segura do elevador em caso de falha elétrica, são alguns exemplos de inovações que podem ser implementadas durante a modernização.
4. CAPACITAÇÃO CONTÍNUA DOS TÉCNICOS DE MANUTENÇÃO
Outro ponto crítico é a qualificação dos técnicos responsáveis pela instalação e manutenção dos elevadores. O setor de transportes verticais exige mão de obra altamente qualificada, já que qualquer erro pode resultar em acidentes graves.
Treinamentos periódicos: Os técnicos devem passar por treinamentos regulares, principalmente com o avanço das tecnologias e a incorporação de novos sistemas de segurança. Além das competências técnicas, é importante que esses profissionais sejam treinados em segurança do trabalho, seguindo normas como a NR-35 (Trabalho em Altura), a NR-10 (Segurança em instalações e serviços em eletricidade) e a NR-18 (Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção).
Redução de equipamentos por técnico: Reduzir a quantidade de elevadores que um técnico precisa atender mensalmente é crucial, pois, com uma carga de 100 a 200 elevadores, o profissional não consegue realizar um trabalho detalhado em cada unidade. Essa sobrecarga compromete a qualidade do serviço e aumenta o risco de problemas passarem despercebidos, impactando diretamente na segurança dos usuários. Para equilibrar melhor a quantidade de atendimentos, os técnicos podem dedicar mais tempo a cada equipamento, garantindo uma inspeção minuciosa e intervenções mais eficazes. Isso resulta em elevadores mais confiáveis e menos suscetíveis a falhas e acidentes.
5. CONSCIENTIZAÇÃO DOS USUÁRIOS
Embora as falhas técnicas sejam uma das causas dos acidentes com elevadores, o uso inadequado por parte dos usuários também é um fator relevante. Muitas vezes, os próprios usuários realizam práticas inseguras que podem resultar em acidentes.
Comportamentos de risco: Entre os comportamentos de risco mais comuns estão o ato de segurar as portas para impedir que se fechem, a superlotação das cabinas e a tentativa de embarcar ou desembarcar quando o elevador já está em movimento. Esses comportamentos, além de serem inseguros, podem danificar os componentes do elevador.
Campanhas de conscientização: Empresas de manutenção e administradoras de edifícios devem investir em campanhas de conscientização voltadas para os usuários. Sinalizações dentro das cabinas, bem como a distribuição de materiais informativos, podem educar os usuários sobre o uso seguro dos elevadores.
6. AUDITORIAS INDEPENDENTES
Por fim, é essencial que as empresas de manutenção, condomínios e as construtoras implementem auditorias regulares, garantindo que os elevadores atendam aos padrões mais rigorosos de segurança.
Auditorias regulares: Verificações periódicas feitas por engenheiros mecânicos independentes podem identificar falhas nos procedimentos de manutenção e instalação, garantindo que todas as práticas estejam em conformidade com as normas.
Com 40 mortes registradas no Brasil em 2024 até o final de outubro, é claro que ainda há muito a ser feito para garantir a segurança no setor de elevadores. Um projeto bem executado, manutenção adequada, modernização de equipamentos, capacitação dos profissionais e conscientização dos usuários são pilares fundamentais para evitar acidentes e proteger vidas. A implementação dessas práticas, juntamente com auditorias rigorosas, pode garantir que o elevador continue sendo o meio de transporte mais seguro do mundo.
SOBRE O AUTOR
Carlos Eduardo é proprietário da ON Soluções em Engenharia, Engenheiro Mecânico, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Mestrando em Engenharia de Desenvolvimento Sustentável pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e Técnico em Mecânica e Eletrônica. Tem 14 anos de experiência na área de transportes verticais, na qual, trabalhou nas três maiores fabricantes de elevadores e escadas/esteiras rolantes do mundo. Em 2024, se tornou Top Voice do LinkedIn, que leva conteúdos na área de transportes verticais. Também é membro do Comitê Nacional da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), de estudos, atualizações e revisões de normas técnicas pertinentes a Cabos de Aços, Elevadores, Plataformas de Acessibilidade, Escadas e Esteiras Rolantes.