De transporte seguro a símbolo de tragédia: 2024 e os 40 mortos em acidentes com elevadores

O ano de 2024 foi marcado por uma sequência alarmante de acidentes no setor de elevadores no Brasil. Fechamos o ano com 58 acidentes registrados, 40 mortes e 108 pessoas diretamente envolvidas. Esses números, além de tristes, mostram o reflexo de uma crise que já vinha se desenhando há anos e que exige mudanças urgentes.

Em agosto de 2024, trouxe na edição 183 da revista, um levantamento, apontando os dados acumulados de 1º de janeiro a 7 de agosto de 2024: foram 31 acidentes, 22 mortes e 69 pessoas envolvidas. Naquele momento, o cenário já era preocupante, mas os meses seguintes, de 8 de agosto a 31 de dezembro, trouxeram mais 27 acidentes, 18 mortes e 39 pessoas impactadas.

Com quase 15 anos de experiência no setor, nunca presenciei uma situação tão crítica. O mais alarmante é que esses acidentes não são apenas números em um relatório, são vidas perdidas, famílias destruídas e um sinal claro de que estamos falhando como sociedade e profissionais em tratar com seriedade a segurança dos elevadores, historicamente o meio de transporte mais seguro do mundo.

FATORES CRÍTICOS POR TRÁS DA CRISE

Os acidentes de 2024 não são fruto do acaso. Eles refletem falhas sistêmicas que precisam ser enfrentadas com seriedade e urgência.

PROSTITUIÇÃO DE PREÇO: Hoje, o preço se tornou o principal critério de escolha para manutenção de elevadores. Condomínios, construtoras e até órgãos públicos priorizam o custo em detrimento da segurança. Licitações públicas, muitas vezes, escolhem a proposta mais barata, ignorando a qualidade técnica e os requisitos mínimos de segurança.

É inaceitável encontrar contratos de manutenção sendo oferecidos por valores que variam de R$ 80,00 a R$ 150,00 mensais. Esse valor é insuficiente para cobrir os custos básicos de uma manutenção segura, que envolve ferramentas de qualidade, EPIs, lubrificantes e técnicos qualificados. Quando o preço se torna o único fator decisivo, a segurança é comprometida.

EMPRESAS IRREGULARES: O mercado está repleto de empresas sem registro no CREA. Essas empresas entram no setor com preços extremamente baixos, atraindo clientes que justificam a escolha com argumentos de economia. No entanto, essas economias representam um risco direto à vida, já que essas empresas não têm estrutura ou qualificação para realizar uma manutenção adequada.

QUANTIDADE ELEVADA DE EQUIPAMENTOS POR TÉCNICO: Com a guerra de preços, até mesmo empresas sérias precisam adotar medidas para competir, como aumentar a quantidade de equipamentos atribuídos a cada técnico. Isso resulta em manutenções apressadas e superficiais. Um técnico sobrecarregado não consegue realizar uma manutenção detalhada, comprometendo a segurança dos equipamentos.

AVENTUREIROS NO MERCADO: A busca desenfreada por preços baixos também abriu espaço para empresas aventureiras, como serralheiros que fabricam elevadores caseiros sem seguir normas técnicas. Esses equipamentos irregulares frequentemente entram no mercado sem contratos de manutenção. Empresas que já enfrentam dificuldades financeiras acabam aceitando manter esses equipamentos, priorizando o número de clientes em detrimento da segurança.

FALTA DE FISCALIZAÇÃO: A fiscalização no setor de elevadores é insuficiente e, muitas vezes, ineficaz. Faltam fiscais com treinamento técnico adequado, além de haver uma quantidade insuficiente de profissionais para cobrir a demanda. Casos de corrupção também enfraquecem o sistema, permitindo que empresas irregulares continuem operando livremente.

ENGENHEIROS SEM CONHECIMENTO TÉCNICO ADEQUADO: Muitos engenheiros mecânicos que atuam no setor realizam projetos sem elaborar os memoriais de cálculo exigidos pelas normativas. Projetos são copiados, assumindo que o equipamento será o mesmo, sem considerar as diferenças técnicas que podem comprometer a segurança.

Um dos problemas mais graves está nos casos de “elevadores que caem”. O freio de segurança pode até atuar, mas erros de cálculo resultam em flambagem e falhas estruturais. Além disso, há engenheiros que apenas “assinam” a ART, sem avaliar se o equipamento está em condições adequadas de segurança.

O REFLEXO EM 2024

Os dados de 2024 são o reflexo direto desses fatores combinados, onde já pontuo há alguns anos. Cada um deles contribui para enfraquecer o setor, colocando em risco a vida de usuários e técnicos. Não se trata de fatalidades inevitáveis, mas de falhas sistêmicas que podem e devem ser corrigidas.

2025: UM ANO PARA TRANSFORMAÇÃO

Se não agirmos agora, 2025 pode ser ainda mais trágico do que 2024. Precisamos adotar medidas concretas e coordenadas para reverter esse cenário:

PRIORIZAR A QUALIDADE E A SEGURANÇA: Condomínios, construtoras e órgãos públicos devem colocar a segurança acima do custo. Contratos de manutenção precisam ser avaliados pela qualidade e conformidade técnica, e não apenas pelo preço.

FORTALECER A FISCALIZAÇÃO: É urgente aumentar o número de fiscais treinados e garantir que todos os equipamentos sejam inspecionados regularmente. Empresas irregulares precisam ser banidas do mercado.

MODERNIZAR EQUIPAMENTOS: Elevadores com mais de 20 anos devem ser modernizados para atender aos padrões atuais de segurança.

VALORIZAR OS PROFISSIONAIS TÉCNICOS: Técnicos qualificados precisam ser reconhecidos e valorizados. Sobrecarregá-los com equipamentos além de sua capacidade é uma receita para falhas e acidentes.

CONSCIENTIZAR OS USUÁRIOS: Os usuários precisam entender que economizar na manutenção de um equipamento que transporta vidas é inadmissível. A segurança não tem preço.

CAPACITAR ENGENHEIROS: Engenheiros que atuam no setor devem buscar atualização constante e seguir as normativas técnicas com rigor. A responsabilidade técnica precisa ser exercida com ética e compromisso.

UM APELO AO SETOR

Os números de 2024 não podem ser ignorados. Esses dados não são apenas estatísticas. São pais, mães, filhos e filhas que perderam a vida. São famílias que nunca mais serão as mesmas. E tudo isso por quê? Porque ainda existe quem coloque o preço acima da segurança. É INADMISSÍVEL que um equipamento que transporta vidas seja tratado como um mero custo no orçamento.

Minha insatisfação vai além do mercado, ela é moral. Como podemos dormir tranquilos sabendo que essa tragédia é resultado direto das nossas escolhas e ações? Como profissionais, temos a responsabilidade de dizer basta. 2025, precisa ser diferente!

Não é apenas um desejo, é uma exigência. Não podemos permitir que mais vidas sejam perdidas por negligência, irresponsabilidade ou descaso. Chegou a hora de todos — engenheiros, técnicos, gestores, síndicos, construtoras e órgãos públicos — se unirem para transformar o setor.

Este é o meu apelo: não esperemos que 2025 repita as tragédias de 2024. Cada um de nós tem o poder de mudar essa história, mas precisamos agir com urgência e firmeza.

PORQUE VIDAS NÃO TÊM PREÇO, E SEGURANÇA NÃO PODE SER NEGOCIADA!

SOBRE O AUTOR

Carlos Eduardo é proprietário da ON Soluções em Engenharia, Engenheiro Mecânico, Engenheiro de Segurança do Trabalho, Mestrando em Engenharia de Desenvolvimento Sustentável pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e Técnico em Mecânica e Eletrônica. Tem 14 anos de experiência na área de transportes verticais, na qual, trabalhou nas três maiores fabricantes de elevadores e escadas/esteiras rolantes do mundo. Top Voice do LinkedIn, que leva conteúdos na área de transportes verticais. Também é membro do Comitê Nacional da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), de estudos, atualizações e revisões de normas técnicas, pertinentes a Cabos de Aços, Elevadores, Plataformas de Acessibilidade, Escadas e Esteiras Rolantes.

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